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O jornalismo possui tantas camadas, esferas e disposições comunicacionais que pensar nesta área lembrando de grandes redações do passado é arcaico. E, claro, muitos jornalistas possuem uma gama cultural, técnica e humana que deixa muitas outras áreas com inveja.
E um dos jornalistas mais diversos, inteligentes, irônicos e, quem diria, também um “apresentador show”, é Rodrigo Bueno da ESPN. Bubu, como também é reconhecido, tem 52 anos, nasceu em São Paulo-SP, é jornalista por formação, possui uma história profunda pela Folha de SP e é são-paulino de coração.
Com uma rapidez, gentileza e elegância, Bubu concedeu, talvez, a melhor entrevista que o site Enciclopédia Do Rock já publicou. Muito conhecimento, revisão de carreira, pensamentos filosóficos sobre comunicação, uma ideia crítica sobre futebol e uma aula de como se faz análise futebolística.
Quem é Rodrigo Bueno?
Um jornalista diferenciado.
Como é o Rodrigo Bueno comunicador?
Tenho tentado cada vez mais ser um comunicador. Durante 17 anos na Folha, fui repórter e colunista, e a imprensa escrita é bem diferente da televisão, onde precisamos aprender de fato a ser um comunicador. Creio que virei a chave de vez em 2012, quando deixei a velha ESPN e fui para o Fox Sports no Rio de Janeiro. Desde então, entendi melhor o que é falar para muita gente, aliei mais jornalismo e entretenimento. Hoje, faço isso diariamente na querida ESPN.
Você possui uma das experiências com futebol internacional que pode ser considerada pioneira no Brasil pela Folha de São Paulo. Historicamente, você é um exemplo para muitos que hoje gostam de futebol internacional. Como é isso para você, Rodrigo?
Tenho orgulho de ter desbravado de certa forma o futebol internacional na imprensa brasileira. Virei jornalista em um período de mudanças importantes no esporte, com a criação da Champions League e da Premier League, a Lei Bosman, a chegada das TVs a cabo, da internet, avanço dos games etc. Houve uma revolução ali no meio dos anos 90 na cobertura do futebol internacional. Teve muita gente antes de mim cobrindo futebol internacional (fui sucessor do lendário Sílvio Lancellotti na coluna sobre o tema na Folha), mas, nesse período em que comecei, apareceu para valer a globalização, o mundo ficou menor, as notícias de fora chegavam com mais rapidez e frequência. Creio que eu soube entender bem esse momento, que seria um divisor de águas na mídia nacional. Ver as novas gerações já nascendo com Champions e Premier League quase como uma religião é uma satisfação enorme, pois eu imaginei no meio dos anos 90 que seria assim mesmo. Era inevitável.
Há décadas você cobre as Copas do Mundo, outros torneiros internacionais, as idas de clubes brasileiros em finais... O que mudou nas últimas três décadas, por exemplo, no jornalismo de futebol?
O jornalismo mudou do avesso com a internet e as mídias sociais. As coberturas mais tradicionais do passado deram lugar à explosão digital que vemos hoje. Houve uma democratização do jornalismo com esses novos meios, e isso pode ser visto de forma positiva ou negativa. Tem muito mais gente cobrindo os grandes eventos, o que é legal, mas também vemos uma queda de qualidade por conta disso. Vivemos uma cultura muito mais imediatista, instantânea, o conteúdo é cada vez menor, poucos têm paciência para ler ou ver algo mais aprofundado, uma matéria mais densa. A busca por likes e audiência leva a uma espetacularização que muitas vezes passa do tom, tem fake news, forçada de barra, humor, diversos negócios por trás de uma informação ou opinião, muita coisa misturada ao que chamamos ainda de jornalismo. O mercado agora é completamente diferente com influenciadores, celebridades e coisas do tipo. Um novo mundo de comunicação nasceu, isso é uma realidade.
Atualmente, sua presença é simbólica na ESPN: muito conhecimento, ironias, brincadeiras e, praticamente, um comunicador com uma história riquíssima. Como é lidar com a crônica esportiva com humor e alegria?
Eu acho que ainda estou processando este meu momento na ESPN. Sempre serei um jornalista, mas abracei o Futebol Show com sua pegada descontraída e leve. Com o Eduardo de Meneses na apresentação, a veia bem-humorada do programa foi potencializada. Temos nos divertido bastante com o FShow e sentimos que estamos divertindo bastante gente também. Vejo hoje nas ruas e nas mídias sociais um carinho e um reconhecimento maior pelo trabalho que estamos fazendo. Me sinto muito mais querido e próximo do público, e na verdade nós trabalhamos na televisão não para os nossos chefes, mas sim para o público. Participo de programas mais sérios e analíticos da ESPN, sobretudo o Sports Center, o tradicional jornal da casa, e sei como me portar em cada situação. Sempre fui um profissional versátil, capaz de me adaptar a todo tipo de programa e veículo de comunicação. A experiência no FOX Sports contribuiu para isso. Temos que dançar de acordo com a música, e eu literalmente tenho dançado, cantado e feito algum humor mesmo sendo um péssimo dançarino, cantor e humorista. Aliás, não sou nada disso.
Você trabalhou por quase 20 anos na Folha de São Paulo. E já possui mais de uma década na ESPN. Quais as grandes diferenças do jornalismo escrito para o jornalismo televisivo?
São dois mundos diferentes. Durante uns 12 anos eu conciliei meu trabalho na Folha com a ESPN. Quando não estava no jornal, estava colaborando na televisão. Foi um período delicioso de crescimento profissional, de valorização, mas ao mesmo tempo algo sacrificante, tanto que meu casamento acabou sofrendo com isso e chegou ao fim. A partir de 2012, deixei de ser um profissional da imprensa escrita que colaborava na TV para virar um profissional de TV que colabora na imprensa escrita. Lamentavelmente, a internet matou muito da imprensa escrita. Vivi o auge da Folha nos anos 90 e percebi claramente os problemas do jornal com a chegada forte do mundo digital. Tinha planos, assim como muitos colegas, de trocar o papel por outras mídias mais modernas. E foi o que aconteceu, para mim de forma bem natural. A televisão tradicional também está sendo afetada com streaming e novas plataformas, mas não de forma tão impactante como o que ocorreu na imprensa escrita. A TV tem um lado de entretenimento maior que a imprensa escrita, o alcance também é maior. Falamos mais com as massas mesmo em uma TV paga no Brasil. Quando virei jornalista, as televisões de uma forma geral bebiam na fonte dos jornais, que faziam trabalho jornalístico de maior fôlego. Hoje, o jornalismo como um todo decaiu bastante, como tratei em resposta anterior. Temos nossos heróis da resistência, alguns valorosos jornalistas que ainda apuram e escrevem muito bem, e isso nas mais diversas plataformas, mas vivemos mesmo uma era mais engraçadinha, época de lacrações e cancelamentos, todo mundo se sentindo jornalista, repórter, comentarista etc.
Rodrigo, você é formado em jornalismo pela PUC-SP. Logo, você é um exemplo histórico na comunicação brasileira e possui uma formação básica. Muitos alegam que para ser jornalista não precisa da graduação de jornalismo. Qual sua opinião sobre isso?
Eu valorizo muito o diploma de jornalista. Tenho orgulho da minha formação em comunicação. Infelizmente, e não é de hoje, nossas leis e os veículos de comunicação não dão o devido valor para quem é jornalista diplomado. Trabalhei com muita gente boa na mídia que não era jornalista, aprendi a lidar com isso de boa. Não acho que só jornalista diplomado deve ter espaço na mídia. Mas entendo sim que, para ocupar um posto de destaque na mídia ou mesmo entrar em algum estágio em veículo de comunicação, o diploma de jornalista deveria ser bem mais valorizado.
Você ouve muito Rock? Quais suas bandas preferidas?
Escuto Rock diariamente, é uma terapia, me deixa mais feliz, animado, confiante, saudável. Minha banda favorita é o AC/DC, mas curto muito também o Van Halen, com um pé na minha Holanda querida. Gosto de Hard Rock desde garoto, aprendi a admirar os Rolling Stones também indo a shows. Ouvi muito U2 nos anos 80, Oasis nos anos 90, tem uma série de bandas que vira e mexe acabo revisitando: The Clash, The Smiths, Ramones, Queen, R.E.M., INXS, Aerosmith, Black Sabbath, Iron Maiden, Who, Simple Minds, Police, Dire Straits, Fleetwood Mac, Creedence, Guns N’ Roses, Pearl Jam, Blink-182, Green Day, Pixies, The Killers, Third Eye Blind, Mumford And Sons... Sou bem eclético quando o assunto é Rock. Cresci ouvindo The Beatles. Curto Elvis Presley, Bob Dylan, Tom Petty, Ozzy Osbourne, Prince, Bruce Springsteen, Phil Collins, Steve Winwood, Tina Turner, Elton John...
Seu time de coração é o São Paulo Futebol Clube, correto? Para você, quais seriam os 11 maiores da história do Tricolor?
Sim, sou são-paulino. Meu time de todos os tempos do Tricolor: Rogério Ceni; Mauro Ramos, Roberto Dias e Darío Pereyra; Gerson; Muller, Raí, Pedro Rocha e Canhoteiro; Careca e Leônidas. Técnico: Telê Santana.
Muitos sonham em ser comentaristas de futebol, principalmente amantes do esporte e recém-formados. Contudo, como é a atividade de um crítico como você assistindo um jogo. Como você analisa uma partida durante seus 90 minutos?
O ideal é se preparar ao máximo antes de um jogo. Assim como se estuda para uma prova na escola ou para fazer uma apresentação no trabalho, quem vai para uma transmissão deve reunir o máximo de informações a respeito do jogo. Não dá para chegar em uma partida e simplesmente ficar comentando as coisas que vão acontecendo de forma aleatória. O público é cada vez mais exigente e percebe se você está preparado ou não. Uma boa leitura de jogo faz parte do pacote, é preciso entender o que está acontecendo, que às vezes não é o que se espera. Também é necessário saber reagir a que o jogo oferece e pede. Algumas vezes o jogo está chato ou então está muito agitado. Tem que saber a exata temperatura da transmissão e manter as pessoas interessadas, tem o lado do entretenimento também que não pode ser descartado. Alguém vai tirar 90 minutos da vida para ficar com você em uma transmissão. Que seja um tempo em que todos possam desfrutar ao máximo.





